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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A arte da.......

Peço desculpas. O título original deste texto seria "Como ser chique". Mas chique virou uma palavra brega. As pessoas ricas e sofisticadas gostam de dizer que são simples. Tenho uma amiga dona de um conversível de luxo. Sempre diz:
- Só tenho esse carro porque gosto de sentir o vento na cara, o contato com a natureza. 
Mentira. Para sentir o ventinho, bastava arrumar um leque de papel. O conversível é seu segundo carro. O primeiro, obviamente, é blindado. Quem usa a palava chique hoje em dia é gente de classe média. Existe um truque para parecer sofisticado: fazer expressão de tédio, sempre. Na primeira classe ou até na executiva de um avião. O rico, que pode ter sido obrigado a ir na executiva por falta de primeira, só aceita água. Oferecem todos os vinhos maravilhosos, ele faz ar de exaustão e fica na água com a saladinha - porque rico não come, faz regime o tempo todo. Classe média é aquela que se atira em todos os vinhos, aperitivos,, itens do menu. O rico coloca a máscara preta nos olhos, toma um calmante e dorme até o pouso. Recentemente fui a um restaurante francês, o Ambroisie, um dos melhores de Paris. Comi ovo pochê com caviar, me deliciei, espalhei gema no rosto, lambi o prato. E ainda pus uma foto no Instagram. Uma pobreza, reconheço. Alguém sofisticado olharia o prato com desprezo e mandaria trocar, usando algum pretexto, como não gostar de gema mole.
Mandar trocar é outro item de sofisticação. Você já viu alguém degustar o vinho e devolver no restaurante? Ninguém tem coragem, se servirem vinagre, nós, pobres tímidos de classe média, brindamos e fingimos que está bom. Não conheço vinho, mas, como fico sem jeito de confessar essa falha, digo que está bom. Todo mundo é um pouco assim. Menos o rico, que realmente conhece a uva e a safra. Devolve a garrafa e faz o restaurante arcar com o preju. Para fazer o gênero simples, como manda o cânone da riqueza, um milionário conhecido meu diz que adora comida caseira:
Para mim, feijão com arroz e pastel é a melhor comida do mundo!
E ainda pensa que a gente acredita! Outra amiga milionária apareceu numa festa com um par de brincos enormes. Agitando os dedos com diamantes, contou que havia comprado na 25 de Março, onde passara o dia – para quem não é de São Paulo, a 25 é uma rua  de comércio bem popular. Imaginei a rica cercada de seguranças no meio dos camelôs. Devem ter pensado que era alguma nova candidata à Presidência fazendo comício.
Fica a dica: para parecer fino, elegante, sofisticado, vá lá, chique, só existe uma norma: a cara de tédio. Ou nojo. Está comendo e errou o talher? Bote a cara de nojo e fique cavoucando o prato como quem odeia a comida. Se o garçom perguntar se há algum problema com o prato, diga:
- Está tudo bem. É que estou sem apetite.
E faça mais cara de nojo ainda.
Há coisas que nunca se podem fazer. Roubar sabonetinho e xampu de hotel. É uma pobreza total. Pior ainda se embrulhar os sabonetinhos e der de presente. Pior do pior, é roubar sabonete de motel. Confesso, acho uma gracinha aqueles sabonetes pequenininhos. Mas aonde botar? No banheiro para visitas.
A arte da frescura é cheia de armadilhas. Os realmente sofisticados têm um universo particular. Dia desses vi uma bolsa de quase R$ 200 mil. Juro, 200 mil. É de uma grife famosa, toda em couro de crocodilo. Uma mulher exagerada pode até comprar em parcelas e desistir da entrada para a casa própria. E alucinar as amigas numa festa, exibindo o tesouro. A rica compra, enche como se fosse um sacolão. Atira em cima da mesa, como se estivesse farta da bolsa, da vida e da humanidade em geral. Gente sofisticada cria cavalos, faz festas de casamento onde é proibido fotografar, com bolos tipo esculturas, defende a ecologia e adora um casaco de pele. Há milhares de itens na vida de alguém sofisticado que você nunca conhecerá, caso não faça parte desse mundo.
Mas, se você não quer ser brega, basta aparentar tédio. Ou fazer cara de nojo, como já expliquei.
Ah, sim, também não converse. Limite-se a “sim” ou “não”. Gente chique nunca está a fim de conversar. O silêncio é sofisticadíssimo.


(Walcyr Carrasco – Revista Época – disponível em www.revistaepoca.globo.com-adaptação)